O TEÍSMO, O DEÍSMO E O AGNOSTICISMO NA MAÇONARIA
Na época da Maçonaria Operativa, não
havia discussões na Europa. Era-se cristão ou judeu e ponto final. A religião
entrava na vida de cada indivíduo, não através de uma busca racional, mas como
uma caraterística essencial. E a religião era o que os responsáveis da Igreja
diziam que era. Analisar questões teológicas era encargo de muito poucos dentre
os pouquíssimos que sabiam ler e escrever. A grande massa dos Povos tinha a
religião do Estado onde se encontrava ou do senhor a quem servia. Não era,
sequer, uma questão de escolha. Era de sobrevivência, literalmente falando. Não
se punha, pois, a questão de se ser deísta, teísta ou gnóstico. O conceito de deísmo nem sequer
existia. Todos eram teístas, porque todos eram crentes. E quem não fosse,
calava e fingia sê-lo, se queria continuar integrado na sociedade, vivo e de
boa saúde.
Na Europa de então, opções religiosas
haviam duas: o cristianismo (primeiro apenas sob a batuta do papa de Roma;
depois, com a Reforma, com dois grandes campos de escolha: o catolicismo ou,
com diversas variantes, o que se convencionou chamar de protestantismo) e o
judaísmo, sendo o catolicismo amplamente maioritário.
Todos os maçons eram, por definição,
crentes. E cristãos. A Maçonaria Operativa, como instituição eminentemente
profissional, não destoava do resto das instituições existentes. E todos eram
teístas. Nem se concebia que pudesse ser diferente!
O tempo e a evolução social, porém,
vieram a alterar esta situação.
A partir de finais do século XVI,
inícios do século XVII, gradualmente as Lojas maçônicas operativas começaram a
admitir elementos não integrantes da profissão de construtores em pedra. Foram
senhores que mandavam construir igrejas e contratavam e pagavam, para esse
efeito, os oficiais construtores, exercendo sobre estes manifesta influência
econômica, que demonstravam interesse em compartilhar dos segredos da Arte Real
da construção, foram influentes cavalheiros ou nobres que assumiam o papel de
protetores das corporações de maçons, enfim, pouco a pouco foram sendo Aceitos indivíduos não construtores nas Lojas. E as Lojas passaram a ser locais de congregação de
maçons livres e aceitos. Maçons livres, os oficiais construtores que não
dependiam de senhores, que eram livres de trabalhar e exercer o seu ofício onde
quisessem e pudessem. Maçons aceitos, aqueles que, não sendo oficiais
construtores, tinham sido aceitos no seio das Lojas.
Os maçons aceitos eram mais letrados
do que os maçons livres. Uma vez inteirados dos segredos da arte de construir -
particularmente as técnicas ancestrais aplicando princípios geométricos -,
tinham a vantagem competitiva da sua maior instrução, do seu mais profundo e
alargado conhecimento, da sua maior influência social. Pouco a pouco, os maçons
aceitos foram se sobrepondo aos maçons livres, quer em número, quer na condução
dos destinos das Lojas, quer na escolha dos trabalhos de Loja, dos ensinamentos
a transmitir em Loja. E, ao longo de pouco mais de um século, a Maçonaria
transformou-se de Operativa em Especulativa, de simples agremiação de
construtores em instituição de discussão livre, de especulação filosófica, de
aperfeiçoamento moral e não apenas de mera aprendizagem profissional.
Paralelamente, vivem-se os tempos do
Iluminismo, da emergência do racionalismo, da popularização das ideias de Kant,
de Locke, e muitos outros. A "Royal Society", sociedade dedicada ao avanço e
divulgação das ciências é constituída e muitos dos seus fundadores e elementos
impulsionadores são maçons aceitos.
Por outro lado, viveram-se e ainda
estão bem inseridos na memória coletiva britânica tempos de profundos e
dolorosos conflitos políticos e religiosos. "Stuarts" contra "Oranges" e depois "Hanovers", católicos contra anglicanos, jacobinos contra realistas. Viveram-se
na Grã-Bretanha tempos revolucionários, lutas ferozes e sangrentas, prisões e
decapitações, que em nada ficaram a dever à mais famosa das Revoluções, a
Revolução Francesa. De tudo isto, acabou por resultar o fim do Estado Confessional,
a aceitação, primeiro tímida, depois crescentemente consensual, da Liberdade de
Religião. O Homem podia já pensar sobre os fundamentos da sua crença. E o fez.
A postura de cada um em face do
Divino já não dependia exclusivamente da aceitação da Revelação das Escrituras
e dos ensinamentos dos profetas e ministros religiosos. Kant indicou o caminho,
os acontecimentos romperam o dique e muitos foram progressivamente percorrendo
a vereda da descoberta do divino através da Razão. Já não havia apenas o caminho
exclusivo da Fé para a Crença. Outro também se abriu, o caminho da Razão. Já
não havia só teísmo, também apareceu e autonomizou-se o deísmo.
Através do seu desassossego
intelectual, os maçons aceitos não se limitaram a "colonizar" a
Maçonaria Operativa e a transformá-la em Maçonaria Especulativa. Também, na
Maçonaria introduziram os princípios e o conceito do deísmo. Sobre uma
pré-existente Maçonaria teísta construíram uma Maçonaria deísta.
A ORIGEM
Embora esse tema não seja de fato muito recente (primeiro quartil do século XVIII), pois ele teve
início com a primeira edição do Livro das Constituições do reverendo James
Anderson, aprovadas e publicada em 1723, quando ele afirma que:
"Sobre Deus e Religião.
Um maçom é obrigado por seu mandato a obedecer à lei moral; e se ele compreender corretamente a Arte, ele nunca será um Ateu estúpido, nem um Libertino irreligioso. Mas, embora nos tempos antigos os maçons fossem obrigados em todos os países de serem da religião daquele país ou nação, qualquer que fosse, ainda assim, considerou-se mais conveniente apenas obrigá-los a essa religião com a qual todos os homens concordam, deixando suas opiniões particulares para eles mesmos; isto é, serem homens bons e verdadeiros, ou homens de honra e honestidade, por quaisquer denominações ou persuasões que possam ser distinguidos; por meio do qual a Maçonaria se torna o Centro da União, e os meios de conciliar a verdadeira Amizade entre Pessoas que de outra forma deveriam ter permanecido a uma Distância perpétua". (Livre tradução do Original).
E isto quer dizer que ele deve ser um homem bom e verdadeiro; ou um homem de honestidade; mas qualquer que seja a denominação (da religião) ou crença pela qual ele possa se distinguir, onde quer que esteja; e que a Maçonaria possa ser o centro de união, e o meio pelo qual se possa conseguir a verdadeira amizade entre todas as pessoas isto é, que as opiniões individuais, religiosas e políticas, nunca devem ser ventiladas.
Desta forma, vê-se nessa obrigação da primeira Constituição que já se
delineava a absoluta liberdade de consciência, de pensamento e de religião. E
isso é Deísmo, ou seja, os primeiros germes do deísmo, na Maçonaria. Dando uma
pequena abertura para que os maçons de todas as crenças (judeus, maometanos, budistas, brâmanes etc.), tivessem a
possibilidade de se unirem pelos laços da verdadeira amizade, que são os
princípios da Maçonaria excluindo, é claro, os ateus estúpidos e os
libertinos irreligiosos.
Todavia, foi somente na segunda metade do século XX, que alguns membros
efetivos, da mais antiga e mais completa Loja de Pesquisas Maçônicas a
"Quatuor Coronati", de Londres, começaram a pesquisar e estudar esse
tema. Não sem encontrar algumas resistências entre seus pares, especialmente,
aqueles mais ortodoxos com relação às suas teses.
Isso se verifica quando o irmão J. R. Clarke, em março de 1965,
apresentou na Loja, um trabalho intitulado "The Change From Christianity
to Deism in Freemasonry" (A Mudança
do Cristianismo para o Deísmo na Maçonaria).
Esse trabalho, longo e muito bem elaborado, também muito documentado, foi
a pedra de toque, para a abertura dos debates e de novos estudos.
O irmão E. Ward companheiro de pesquisas de Clarke apresentou o seguinte
trabalho, intitulado "Andersons Freemasonry Not Deistic"; (A Maçonaria não Deística de Anderson),
para contestar algumas opiniões de Clarke, mas o assunto não morreu ali. Em
1974, sete anos após, quando a poeira já tinha abaixado, o irmão R. A. Wells,
também da Quatuor Coronati, apresenta um trabalho, aparentemente desvinculado
do assunto, intitulado: "George Claret Ritual Printer" (George Claret
Impressor de Ritual), onde no desenrolar do trabalho, ele aborda o tema do
teísmo e deísmo, na Maçonaria inglesa.
Quando se pensava que o tema estava esquecido, eis que em 1984, após se
passarem dez anos, o irmão N. B. Cryer, volta à carga, com um trabalho
contundente "The Dechristianization of the Craft"; (A Descristianização da Ordem). Esse
trabalho reacende o debate e os estudos sobre o porquê, a causa dessa
descristianização. Três anos depois, 1987, o irmão Michel L. Bradsky, também
Membro da "Quatuor Coronati", escreve um bem alicerçado artigo,
intitulado:
"Why was the Craft Dechristianized?"
(Por que a Ordem foi Descristianizada?)
E dentro dessa interrogação vem toda uma gama de esclarecimentos.
Apontando dois dos mais respeitáveis irmãos
o reverendo James Anderson e o reverendo John Teófilo Desaguliers, como autores
dessa tese, com a finalidade de universalizar a Maçonaria, recém organizada os
defensores dessa tese vão buscar evidências e provas para robustecer seus argumentos.
O JUDAÍSMO E A MAÇONARIA
No ano de 1290, na Inglaterra, após muitos atritos com os judeus, o rei
Eduardo I, através de um Édito, baniu os judeus, de todo o território inglês,
ou seja, das Ilhas Britânicas. E com os judeus foram banidos, também, seus
Livros Sagrados, seus costumes aquele conjunto de leis, costumes e tradições
conhecidas como o Velho Testamento e, especialmente a Torá.
Aquilo que os judeus não levaram com eles, os monges beneditinos
recolheram para a parte interior de seus conventos. Portanto, quando a
Maçonaria Documental nasceu, e ela nasceu na Grã-Bretanha, predominava então
somente os evangelhos de Cristo isto é, o cristianismo. Daí pode-se afirmar que
a Maçonaria nasceu cristã, se estruturou, progrediu e atravessou os séculos
XIV, XV, XVI, XVII, e XVIII, dentro e à sombra do cristianismo, ou das igrejas
cristãs. Até a metade do século XVI, sob a proteção da igreja católica e daí
por diante, das igrejas católica e anglicana, esta, fundada pelo rei Inglês,
Henrique VIII. E somente a partir de 1760 é que o Édito de Eduardo I foi
revogado.
É bem verdade que não foi somente após essa data que os judeus retornaram
à Grã-Bretanha. Alguns anos antes, isso já acontecia. Os judeus sefarditas (judeus que viviam na Espanha), tinham
entrado na Grã-Bretanha, mas disfarçados de cristãos novos, pois desde o
massacre iniciado em 1391, um grande número de judeus escapou da morte,
abraçando uma nova religião – isto é, aceitando o batismo cristão, embora
continuassem praticando, em segredo, sua velha e querida religião judaica. Mas
para efeito de proteger a própria vida e a da família, passaram a frequentar as
missas e os cultos cristãos.
Quando em 1492, com a queda de Granada, os judeus foram expulsos de toda
a Península Ibérica, eles foram disseminados por toda a Europa especialmente na
Inglaterra, França, Países Baixos e América.
Os judeus começaram a ingressar na Maçonaria Simbólica, pouco tempo
depois da criação da Grande Loja de Londres, em 1717. As Reformas introduzidas
pelos dirigentes deístas da Maçonaria daqueles tempos estão refletidas na
Constituição de Anderson, onde a fé no cristianismo deixa de ser uma das
condições para ser admitido na Ordem (se
bem que, a intenção não era, precisamente, estender a tolerância religiosa a
outras religiões, senão, permitir, somente a católicos e protestantes,
conviverem em paz), abrir as portas da Maçonaria pelo menos em teoria a
judeus e muçulmanos, entre outros.
Não deve surpreender-se que a primeira menção que existe de um judeu
maçom, data de 1716, e refere-se a um sefardita inglês:
"Francis Francia", também conhecido como um judeu
jacobita" (os jacobitas eram
seguidores de Jaime II, da Inglaterra, que se havia convertido ao catolicismo),
que fora exonerado de seu cargo sob a acusação de traição.
Francis Francia era um judeu sefardita, isto
é, um judeu que adotara o cristianismo, pelo menos de fachada, para evitar
perseguições, como acontecia com tantos outros.
Em 1732, outro judeu, Edward Rose, foi
iniciado em uma Loja presidida por Daniel Delvalle, de origem claramente judia.
O que fica claro, todavia, é que antes de 1716, nenhum judeu pertenceu à
Maçonaria. E que o primeiro judeu, sem sombra de dúvida, só foi iniciado na
Maçonaria, em 1732. Outros houveram nesse ínterim, mas que estavam disfarçados
de cristãos.
E por essa época a colônia judaica que vivia na Grã-Bretanha era tão
pequena, que era facilmente reconhecida e conhecida.
À primeira menção da presença de alguns judeus nas províncias de
Birmingham, data de 1718, embora nenhuma comunidade judaica fosse fundada até
1730. Em Cambridge, só foi registrada, a partir de 1732; outra comunidade foi
criada em Exeter, em 1735; em Bath, em 1736; em Plimouth, em 1740 e em Swansea,
em 1741.
Todavia, a soma dos judeus em todas essas comunidades era muito pequena,
com exceção de Birmingham, que possuía em 1847, 679 Membros, as demais
comunidades não iam além de 200 Membros. Isso em 1847, mais de um século após a
fundação da primeira comunidade, a de Birmingham (1718).
Quando algum irmão quer dar à Maçonaria uma
origem judaica ou ele está enganado ou está querendo enganar você.
Partimos da premissa de que os judeus só começaram a entrar para a
Maçonaria, após a criação do Grau 3, que ocorreu por volta do ano de 1725, a
partir do Livro da Constituição do Reverendo James Anderson; muito
especialmente a partir da I Obrigação, àquela que se referia a Deus e à
Religião.
CONCERNENTE A DEUS E À RELIGIÃO
Um maçom fica obrigado por ocasião de sua Iniciação, a obedecer as Leis Morais, e, se ele entender corretamente a Arte, ele nunca será um ateu estúpido, e nem tampouco um libertino irreligioso. Porque desde os tempos imemoriais os maçons eram obrigados, em todos os países, a seguirem a religião da maioria, de seu país de origem, qualquer que ela fosse; mas, atualmente, o maçom só é obrigado a ter aquela religião em que todos, ou que a maioria concorda, guardando para si, as suas opiniões próprias; isto quer dizer que o maçom deve ser um homem bom e verdadeiro; ou um homem de honra e de honestidade. Mas, qualquer que seja a denominação das crenças, pelas quais ele possa se distinguir onde quer que seja, a Maçonaria dever ser o Centro de União, e os meios pelos quais se possa conseguir a verdadeira amizade entre as pessoas. (Livre tradução do original).
Isso quer dizer que as opiniões individuais religiosas e políticas, nunca devem ser ventiladas, emitidas.
Muitos e profundos estudos foram feitos sobre esse texto que está supra epigrafado, pela 2ª vez, do Livro da Constituição de Anderson.
O irmão E. Ward dá sua interpretação sobre o que seja o deísmo:
TEÍSMO E DEÍSMO
Embora, etimologicamente, teísmo e deísmo tenham uma derivação paralela,
deísmo é o nome em contraste a teísmo, dado ao movimento teológico e religioso
que se desenvolveu no final do século XVII e a primeira metade do século XVIII,
tendo sido suas principais influências, o grande aumento de conhecimento
científico do universo.
Para o irmão J. R. Clarke a exemplo do irmão E. Ward, também pertencente
aos Quadros da "Quatuor Coronati":
A transição do cristianismo, para o deísmo, como exigência base da Ordem,
foi um processo gradual.
O curioso é que o renomado Benjamim Franklin, mesmo antes de ser iniciado
na Maçonaria, e sendo um fervoroso membro da Igreja Presbiteriana dos Estados
Unidos, "concebeu um grande e extenso projeto", para Fundação
em Filadélfia, de uma Sociedade Secreta Deística". Isso, todavia, não
aconteceu, pois em fevereiro de 1731 ele foi iniciado na Loja "São
João", de Filadélfia. Talvez o ambiente e o movimento deísta, que ele
encontrou na Ordem, tenha feito com que ele esquecesse seu projeto da
"Fundação da Sociedade Secreta Deísta".
Ainda é o irmão Clarke quem diz:
Que possamos nos termos de uma definição de deísmo no contexto deste
Trabalho, isto é – "A religião com a qual todos os homens concordam",
com particular consideração para a palavra "Todos".
E foi no bojo dos debates entre o deísmo e o teísmo, que foi forjada a
Maçonaria que praticamos. Até a união das duas Grandes Lojas Rivais, em 1813, a
Maçonaria Inglesa praticava o mesmo Rito, mas com procedimentos distintos.
Enquanto a Grande Loja de Londres se afastava cada vez mais do cristianismo
paradoxalmente, a Grande Loja dos "Antigos", que tinha como mentor intelectual,
Lawrence Dermott, um estudioso do judaísmo e defensor do mesmo, colocando até
como título da Constituição, compilada por ele uma expressão hebraica "Ahiman
Rezon" segundo alguns autores, significando "Conselho dado aos
irmãos", para outros "Irmãos selecionados", ou "Irmãos
escolhidos", ou, ainda, um "Auxílio para os irmãos".
O que é significativo é que Lawrence Dermott, em seu Livro Ahiman Rezon,
colocou como obrigação para as cerimônias das Lojas de sua jurisdição duas
orações uma cristã e outra hebraica, que deveriam ser recitadas na cerimônia de
iniciação de um novo maçom. A oração cristã está plena da Santíssima Trindade.
Ela começava assim:
“Dote-os (os novos Maçons), com a competência da sua Divina Sabedoria
para que eles possam, com os Segredos da Maçonaria, ser capazes de entender os
Mistérios da Santidade do Cristianismo”.
Já a oração hebraica era bem explícita e podia ser usada pelos maçons
judeus:
“Oh! Senhor, excelente artista, Tu, na tua verdade, nada há tão grande
para comparar-se a Ti...”.
Alguns autores afirmam que foi Dermott quem introduziu o Salmo 133, na
Maçonaria, especialmente na abertura da Loja de Aprendiz. Não temos evidências documentadas para duvidar de tais afirmações, tão pouco para corroborar. Sabe-se, Entretanto, que de toda documentação que se tem sobre o assunto, de 1751 a 1813, ano da União das Duas Grandes Lojas Rivais, em nenhuma das pesquisas da "Quatuor Coronati", de 1965 até o momento, o Salmo 133 é citado, só o Evangelho de São João é mencionado..
Os motivos
apresentados para a fundação da Segunda Grande Loja (a dos Antigos) em oposição à primeira (dos Modernos) de Londres, foram:
I - Preparar os candidatos incorretamente;
II - Abreviar as cerimônias:
III - Omitir as leituras;
IV - Omitir as leituras das mudanças, iniciadas pelos antigos;
V - Omitir as súplicas;
VI - Alterar a ordem dos Sinais e Palavras de Reconhecimento dos 2º e 3º
Graus;
VII - Usar uma palavra incorreta no Grau de Mestre;
VIII - Incluir a garra, as palavras de ingresso, na cerimônia atual
(1751), ao invés de usá-los preliminarmente;
IX - Descristianizar o ritual;
X - Ignorar os dias santos, especialmente o Dia de São João, o Batista
(24 de junho) e São João, o Evangelista (27 de dezembro);
XI - A classificação incorreta de suas Lojas;
XII - Não ter Diáconos como Oficiais de suas Lojas; e
XIII - Negligenciar a cerimônia de exaltação a Mestre.
Então eles fundaram uma Grande Loja (a
dos Antigos), para corrigir essa "falha", e praticar a forma "verdadeira" da Maçonaria.
O CRISTIANISMO NA MAÇONARIA
A "Maçonaria" foi 100% cristã até o final do século XVIII. Desde o seu
surgimento documental, 2 de fevereiro de 1356 até início do século XVIII, toda
a documentação que se possui, especialmente relacionada com os catecismos
predecessores dos rituais são puramente cristãos.
O
"Poema Régio", datado de 1390, fala sobre um juramento prestado sobre
um livro, pelo ingressante. Esse livro se acreditava que fosse a bíblia. Só que
por essa época, a bíblia não era nem lida e nem tocada por indivíduos que não
pertencessem a alguma Ordem Monástica. E era manuscrita em latim. De difícil
leitura para um pobre trabalhador da pedra, em sua maioria analfabeto isento de cultura.
O juramento não era prestado somente pelos pedreiros – maçons –
operativos. Todas as demais profissões e suas guildas, a dos alfaiates, dos
tecelões, dos sapateiros, dos carpinteiros, dos açougueiros, dos tingidores de
tecidos, dos assentadores de tijolos etc. E os juramentos, como se verifica em
todas as tradições, eram prestados sobre um livro.
Exemplos não faltam nos antigos catecismos, dos antigos Manuscritos.
Nos Manuscritos dos arquivos da Grande Loja, datados de 1583, o
"Devonshire" de 1685, e o do rei George de 1726, abriam suas orações,
com estas palavras:
"O Poder do Pai do Céu abençoado, sabedoria do filho glorioso, com a
bondade do Espírito Santo, três pessoas em um único Deus...".
Essa mentalidade Cristã documentada atinge uma marca de quase 150 anos. O
que não deixa de ser um ponto de apoio para afirmar-se que a Maçonaria era
puramente cristã, e, portanto, Teísta.
Vejamos pois:
Em um Manuscrito denominado de Sloane, encontra-se isto:
Pergunta: Como era chamada, no início, sua Loja?
Resposta: Uma capela consagrada a São João.
Alex Horne cita o Manuscrito de Dunfries nº 4, que tinha em seu catecismo
estas perguntas:
Pergunta: Em qual Loja você ingressou?
Resposta: Numa verdadeira Loja de São João, Justa e Perfeita.
O reverendo N. Barker Cryer nos diz o seguinte, em seu trabalho:
“Eu já tinha chamado a atenção para o fato de que ele (São João) era um
dos Evangelhos do maçom medieval, onde era, frequentemente, tomado suas
"Obrigações" ou juramentos”.
E o irmão Alex Horne enfatiza isso como quando a bíblia era usada:
"O uso de abrir a bíblia no Evangelho de São João, é um costume maçônico,
que vem lá de trás, do início da Maçonaria Especulativa, no mínimo...".
Numerosas citações em História de Lojas Antigas, nas quais se abria a
Bíblia automaticamente, no Capítulo 1º, do Evangelho de São João...
Vejamos mais alguns fatos interessantes:
1. O número 3. Na Maçonaria Primitiva esse número não era cabalista. A Cabala só veio para a Maçonaria depois de 1730. Esse número representava simplesmente Pai, Filho e Espírito Santo. Aí estavam as três faces do Triângulo.
2. O número 5. Simbolizava apenas as cinco fases da vida de Cristo isto é: Nascimento, Vida, Morte, Ressurreição e Ascensão. Nada cabalístico, também, como desejam alguns Irmãos.
3. A Estrela de Cinco Pontas simbolizava a Estrela Brilhante (Flamejante), que guiara os três reis Magos. Só depois é que os Pitagóricos a desbancaram e, mais tarde, a Blazing Star Judaica desbancou, ou tentou desbancar a Pitagórica.
4. O Número 13. Simbolizava o Cristo e seus 12 Apóstolos;
5. O peito esquerdo desnudo homenagem a São João Batista, que usava uma pele de animal, presa ao ombro direito, com o ombro e peito esquerdo desnudo;
6. Joelhos nus ainda em homenagem a São João Batista, cuja roupa de pele não lhe cobria os joelhos.
7. A retirada de todos os metais era para evitar que alguns Judas com suas "moedas sujas" de sangue ingressassem na Ordem.
8. O círculo, com duas paralelas, um ponto no centro e um livro entre as duas paralelas, e sobre o círculo. João Batista o precursor da Luz, da verdade. João Evangelista o continuador e propagador das Obras e Ensinamentos de Cristo. Depois de 1750, alguém alterou o nome das paralelas, dando-Ihes os nomes de Moisés e Salomão. Moisés o mentor e Codificador da Religião Hebraica. Salomão o unificador do povo Judeu.
Pelo que se pode observar, o cristianismo não foi de todo banido de
nossos rituais. A descristianização não atingiu todos os seus objetivos.
O JUDAÍSMO NA MAÇONARIA
Até 12 de maio de 1725, quando foi criado o Grau de Mestre, e com ele a Criação da Lenda de Hiran, não havia judaísmo na Maçonaria, a não ser algumas poucas passagens lendárias como as lendas, noaquitas, enokianas, babilônicas, lamekianas etc.
A ideia chave dos Irmãos James Anderson e
João Teófilo Desaguliers (dois Líderes Evangélicos de Londres), era trazer para
os quadros da Maçonaria hebreus, maometanos, budistas etc. Mas o efeito não foi
o desejado. Somente o hebraísmo trouxe para a Maçonaria uma gama de lendas,
palavras e símbolos. O que não aconteceu nem com os budistas e nem com os
maometanos.
O primeiro judeu iniciado na Maçonaria foi Edward Rose, numa Loja de
Londres em 1732. Daí por diante, é que todo esse Acervo de símbolos, lendas,
palavras, ingressaram na Maçonaria, especialmente nos altos graus, advindos
após 1750. E com eles, devido à proximidade, o egipcianismo, pirâmides,
colunas, decorações de templos etc.
A REGULARIDADE MAÇONICA E A CRENÇA EM DEUS
Na Proclamação de Estrasburgo, o Grande Oriente de França (GOdF) e o Grande
Oriente da Bélgica, embora suavizando a sua posição relativa à crença em Deus e
em sua revelação, mantêm vivos os princípios que levaram estas duas Potências à
“SUMMA DIVISIO” ocorrida em 1877, que separou em definitivo a nossa Ordem em
duas: uma "regular", e outra "irregular". Uma, que mantém o dogma da crença no
Grande Arquiteto do Universo e outra que, em nome da Constituição de Anderson,
aceita em suas Lojas até ateus e irreligiosos.
Mais uma vez, recapitulando, em seu artigo primeiro, agora, subdividido em dois parágrafos, a
Constituição de Anderson diz:
“Um maçom é obrigado a obedecer à lei moral; e se ele bem entender da
arte, jamais será um estúpido ateu nem um libertino irreligioso...."
..."Posto que nos tempos antigos os maçons tivessem a obrigação de
seguir a religião do próprio país ou nação, qualquer que ela fosse,
presentemente julgou-se mais conveniente obrigá-los a praticar a religião em
que todos os homens estão de acordo, deixando-lhes plena liberdade às convicções
particulares. Essa religião consiste em serem bons, sinceros, honrados, de modo
que possam ser diferenciados dos outros. Por este motivo, a Maçonaria é
considerada como o CENTRO DE UNIÃO e faculta os meios de se estabelecer leal
amizade entre pessoas que sem ela não se conheceriam".
É a este Artigo da Constituição de 1723 que franceses, belgas e
simpatizantes se agarram para continuarem praticando a sua Maçonaria particular
e "irregular".
O que acontece é que eles se apegam ao segundo parágrafo da Constituição
de Anderson e esquecem totalmente do que diz no primeiro parágrafo, isto é: o
maçom não pode ser nem ateu, nem irreligioso.
Baseiam-se no segundo parágrafo, que também não os ajuda. Senão vejamos:
"Nos tempos antigos, os maçons tinham a obrigação de seguir a
religião de seu país ou nação". No ocidente, esta religião era cristã:
católica, anglicana ou protestante. Todas estas versões do cristianismo têm
como dogma a crença em Deus.
O que acontece é que desde o final do sec. XVIII e, sobretudo, no começo
do sec. XIX, por influência dos filósofos iluministas houve uma natural
tendência para o ateísmo: "Do cristianismo ao deísmo, do deísmo à
neutralidade simpática, da neutralidade simpática à neutralidade hostil, da
neutralidade hostil ao laicismo, do laicismo ao ateísmo declarado". Foi
justamente esta escalada descendente o que aconteceu em algumas Potências
maçônicas da Europa e da América Latina, no séc. XIX, sobretudo no Grande Oriente
de França, líder incontestável deste movimento que desembocou na mudança da sua
Constituição em 1877. Na realidade, este foi o resultado da ação de uma facção
minoritária, mas ativa que, mesmo sendo minoria, conseguiu impor suas ideias à
maioria acomodada.
Este processo começou pela infiltração nas Lojas do GOdF das ideias dos
Iluminados da Baviera, seguidos dos Filadelfos e dos Carbonários, guiados pelos
irreligiosos e ateus, como por exemplo Littré, Proudhon, que eram ateus, e que
a partir de determinado momento, conseguiram impor as suas ideias. Proudhon,
por exemplo, durante sua iniciação, respondeu assim à pergunta ritualística que
lhe fizeram: “Quais são os seus deveres para com Deus”? A sua resposta não
deixou margem para dúvidas: “A guerra”. Apesar disso, foi iniciado em 08 de junho
de 1847. Estes e outros fatos semelhantes acabaram arrastando o GOdF para fora
da Tradição da Ordem, quando eliminou de sua Constituição, em 1877 o seu artigo
primeiro que exigia a fé em Deus e na imortalidade da alma.
As Grandes Lojas Unidas da Inglaterra, Escócia e Irlanda, e todas as
demais Obediências a elas aderentes, romperam relações com o GOdF, e estas
relações permanecem rompidas até hoje, não tendo sido nunca mais
restabelecidas, apesar das várias tentativas do mesmo Grande Oriente de França
em restabelecê-las, como por exemplo em 1961, como demonstrado na Declaração de
Estrasburgo.
Assim ocorreu o grande CISMA, do qual se originaram duas grandes
correntes maçônicas. Tanto numa corrente quanto na outra existem ou existiram maçons
cultos, de destaque e de boa vontade: Na corrente do GOdF podemos citar Jacques
Miterrand, Gaston Martin, Albert Lantoine, Paul Naudon, etc. À corrente das
Grandes Lojas Unidas citam-se Marius Lepage, Alec Mellor, Ernest Van Heck, etc.
Cada um deles sempre com fortes argumentos para defender os seus pontos de
vista.
A verdade é que em 1877 ocorreu o CISMA, com a introdução da "VOIE
SUBSTITUTÉE", isto é, a eliminação oficial de Deus – o “teicídio” – da
Constituição do GOdF, em Assembleia Geral dessa Potência, começada em 10 de
setembro de 1877, estando presentes 180 delegados das Lojas da Obediência. Na
quinta sessão desta Assembleia foi posto na Ordem do Dia o pedido de alteração
do art. 1º da Constituição, que suprimia a declaração nela contida de que “a
Maçonaria francesa professa como princípio fundamental a crença em Deus e na
imortalidade da alma”.
A nova redação do art. 1º da Constituição do GOdF ficou assim:
“A Maçonaria não exclui ninguém por suas crenças. A Maçonaria,
instituição essencialmente filantrópica, filosófica e progressista, tem por
finalidade a busca da verdade, o estudo da moral universal, das ciências e das
artes e o exercício da beneficência. Tem por princípio a liberdade absoluta de
consciência e a solidariedade humana. Tem por divisa: liberdade, igualdade, fraternidade”.
O "TEICÍDIO", isto é, a morte da exigência na crença em Deus
foi aprovada por dois terços da Assembleia votante. Desse modo, foram
eliminados dos rituais do GOdF todas as orações e alusões a Deus, o Grande
Arquiteto do Universo. Como consequência imediata, ocorreu o rompimento com a
Maçonaria "autêntica", ortodoxa e "universal" que tem a sustentá-la as três Grandes
Lojas Unidas da Inglaterra, da Escócia e da Irlanda e todas as demais Potências
que proclamam a crença em Deus.
Aqui no Brasil, o Grande Oriente do Brasil, em 1908, submeteu à
apreciação das Lojas a seguinte tese:
“O atual momento histórico exige a simplificação dos rituais, de modo a
que domine no interior de todos os templos o princípio da mais larga
tolerância, abrigando no meio da Maçonaria os deístas e os ateus, os sectários
de quaisquer religiões e os livres-pensadores”.
Esta “tese” não passou de uma tentativa dos adeptos do Rito Moderno ou Francês, o
Rito Oficial – e único – do Grande Oriente de França, de seguir os mesmos
passos daquela Potência e de suas aderentes de então, principalmente os Grandes
Orientes da Bélgica, da Hungria e da Itália.
Todos sabemos o que pensa a grande maioria dos maçons brasileiros a
respeito de Deus e da imortalidade da alma.
Este meus Irmãos é o desfecho de uma breve história dos fatos que
iniciaram com uma maçonaria Teísta – cristã – passando por uma maçonaria Deísta
– crença num Grande Arquiteto do Universo – chegando a uma maçonaria agnóstica,
que aceita em seus quadros pessoas irreligiosas e ateus, que racharam a
Maçonaria de Anderson, de Desaguilliers (principalmente deste) e de Frederico
Desmons. Todos três pastores de igrejas cristãs.
Concluindo
Maçonaria deísta é, pois, a Maçonaria hoje correntemente aplicada, que
aceita no seu seio crentes de todas as religiões. Isto não quer dizer que
renegue a sua origem cristã, Teísta. Designadamente, mantém, em especial em alguns dos
Altos Graus, graus especificamente cristãos. Mas, mesmo esses, um não cristão
que a eles queira aceder e não se sinta desconfortável com o ideário cristão
neles expresso, pode recebê-los.
Por fim, quando se diz que a Maçonaria é deísta, não se pretende dizer,
nem se aceita, que se destina exclusivamente a deístas. Porque apenas se exige
a crença num Criador, sendo indiferente qual é e como a ela se chegou, na
Maçonaria convivem fácil e proveitosamente deístas, gnósticos e teístas. Seja qual for a
sua religião.
Também, em Maçonaria "regular" a evolução se fez do teísmo para o deísmo,
numa perspectiva de inclusão, nunca de exclusão. Por isso, a Maçonaria Moderna
e "regular" é deísta, sem prejuízo de ter no seu seio – e muito confortavelmente
– muitos teístas. Porque ser, individualmente, teísta, deísta, católico,
luterano, anglicano, calvinista, evangélico, judeu, muçulmano, hindu etc., desde que crente, é absolutamente indiferente!
TFA
LuCaS
BIBLIOGRAFIAS:
– Assis Carvalho. O Mestre Maçom.
– Breno Trawtuim. Dogmas e
Preconceitos Maçônicos.
– Frederico Guilherme Costa & José Castellani. O Rito Moderno - A verdade revelada.
– Gilson da Silveira Pinto. Pérolas Maçônicas.
– José Castellani. O Rito Escocês Antigo e Aceito.
– Luiz Carlos Silva. A Maçonaria Para Neófitos.
– Sociedade Bíblica do Brasil. Bíblia
Sagrada.
– Valério Alberton. O Conceito de
Deus na Maçonaria.